O perigo escondido nas tintas

Pigmentação inadequada em tatuagens causam problemas graves

Folha de Pernambuco

Dos 25 espaços inspecionados pela Vigilância Sanitária, apenas dois seguiam à risca os padrões de higienização

Na hora de fazer uma tatuagem, não basta escolher o desenho que você vai carregar na pele pelo resto da vida. Para fazer o procedimento é preciso tomar alguns cuidados e o primeiro deles é escolher o local onde irá ser feita a tatuagem, que deve ter CNPJ e alvará de funcionamento. O próximo passo é ter atenção aos materiais, que devem ser todos descartáveis, e verificar se a pigmentação usada para a tatuagem é autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No Brasil, apenas três têm licença do órgão regulador: Starbrite Colors, Electric Ink e Irons Work. A reportagem da Folha visitou alguns estúdios de tatuagem e constatou que menos da metade respeitam o que determina a Lei nº 15.417/14, que diz que pigmentação usada para tatuagem deve ser registrada pela Anvisa.

Além disso, dos 25 espaços inspecionados pela Vigilância Sanitária do Recife no ano passado, sendo deles boa parte no bairro da Boa Vista, apenas dois seguiam à risca os padrões de higienização exigidos pela instituição. Desse quantitativo, dois foram interditados e somente um deles conseguiu reabrir as portas após 15 dias, prazo dado pela vigilância. Os demais continuam em monitoramento. "O grande problema é que esse nicho de mercado é muito volátil, o que atrapalha muito a nossa fiscalização. Não dá para ter um controle exato sobre eles (os tatuadores) porque muitos fazem de suas casas um estúdio, outros vêm de outras cidades para tatuar no estúdio fixo de algum amigo no Centro e até em salão de beleza", explicou a assistente do setor de saúde da Vigilância Sanitária da Cidade, Rozimare Sales.

Outro problema apontado por ela, é a clandestinidade, ou seja, quando esses profissionais recebem alguma notificação, muitos acabam migrando para outros ambientes de trabalho que não são regularizados. "Sabemos que, quando notificamos essas pessoas, elas tendem a ir para outros locais como uma forma de driblar a vigilância. Como a maioria se concentra no bairro da Boa Vista, nossa fiscalização é mais intensa naquela região", detalhou. A pasta ainda revela que o maior índice de irregularidades foram encontradas nos edifícios Tabira e Pirapama. Entre os problemas mais comuns está a falta de esterilização e a estrutura física dos estúdios.

Bruno Leonardo tatua há, aproximadamente, 15 anos. Segundo ele, é muito importante ser seletivo na hora de escolher o estúdio onde se fará a tatuagem. "As pessoas têm que procurar, em primeiro lugar, higiene. Um ambiente limpo e agradável. É importante que se peça para ver os trabalhos do profissional responsável, que se converse muito com ele. Tatuagem não é brincadeira. Colocamos na pele, não no papel", afirmou. Ele ainda reforça que as características de um estúdio fala muito sobre o tatuador. "À medida que eu faço uma tatuagem em alguém, eu estou responsável por tudo o que acontecer com ela. É por isso que ter cuidado ao escolher o material é imprenscindível", acrescentou.

Negligência - A falta de informação fez com que a comerciante T.L, de 22 anos, fosse vítima de negligências cometidas por alguns profissionais da área. Ou melhor, que se dizem "profissionais". Ela contou que o drama dela começou há uma mês, quando ela estava à procura de um tatuador para cobrir um desenho feito na panturrilha direita. "Acabei indo pela cabeça de uns colegas e fui fazer com um tatuador na casa dele. Chegando lá, não tive como avaliar se o material era descartável, já que estava sob a mesa. E a tinta, eu não tinha conhecimento se era autorizada ou não", confessou.

O resultado: 15 dias afastada do trabalho sob os cuidados de antibióticos. "Lembro que a tinta não pegava de jeito nenhum na minha perna e ele forçou bruscamente com a agulha, sem nem se importar com a minha dor. No mesmo dia, eu não consegui nem pôr o pé no chão de tão inflamado que estava", relembrou a jovem. Apesar de a pele de T.L. hoje estar cicatrizada, ainda é possível ver as marcas deixadas pelo "tatuador". "Porém, há males que vêm para o bem. Hoje, eu vejo o quanto é importante avaliar tudo com calma e não fazer nada pela cabeça dos outros", reconheceu.

No rótulo, autorizado pela Anvisa. Já o conteúdo...

Para que casos como o da comerciante T.L., por exemplo, não se repitam, Rozimare Sales salientou que é importante haver uma preocupação das pessoas em denunciar estabelecimentos que não estão de acordo com as normas sanitárias. "Como havia dito, esse mercado é leviano, volátil. Se não tivermos ajuda das pessoas, como vamos chegar até eles para combater alguma irregularidade? O problema é que a maioria não está tão preocupada com a saúde e deixam passar detalhes que, para a gente, chegam a ser motivo de interdição", alertou.

Sobre a pigmentação usada pelos tatuadores, alguns profissionais da área denunciaram que a maioria utiliza apenas o frasco que contém o rótulo com o nome da tinta permitida para colocar um outro tipo de pigmentação que não tem licença para ser usada no País. A situação se torna ainda mais preocupante pelo fato de essas tintas conterem grandes quantidades de metais pesados, como chumbo, que, quando penetradas na pele, podem causar sérias irritações. Normalmente, essas tintas são compradas facilmente pela Internet e chegam ao País sem fiscalização. "Nesse caso, só poderemos saber se a tinta é própria ou não por meio de denúncias. Durante uma inspeção, não temos autoridade de confiscar (os tubos de tinta) sem motivos. Se no rótulo diz que é autorizado pela Anvisa, é nisso que temos que nos basear", esclareceu a assistente.

A dermatologista Carla Silveira lembrou que a intoxicação se dá pela ingestão, ao longo da vida, visto que os metais pesados se depositam nos tecidos ósseos e gordurosos, não sendo eliminados com o passar do tempo. "Todas as cores utilizadas são provenientes dos metais de transição, chamados metais pesados. Porém, em algumas tintas, a concentração é muito baixa, não causando danos imediatos à saúde, mas é bom lembrar que os metais se acumulam ao longo da vida", afirmou. 

Blog Casinhas Agreste www.casinhasagreste.com.br Com Edmilson Arruda