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AGRESTE SECO: série de reportagem sobre a seca de Pernambuco

1.12.16

/ por casinhas agreste

Do Jornal do Comércio de Pernambuco

Sem leite e com sede

A morte assombra a bacia leiteira de Pernambuco. Em 2012, primeiro ano de seca prolongada no Estado, o gado foi dizimado. A praga da cochonilha de carmim destruiu a palma e deixou o rebanho com fome. Duzentas e cinquenta mil cabeças de gado morreram, espalhadas em cemitérios a céu aberto. Em 2016, a morte tem outra face. O gado, que antes padeceu de fome, agora sofre de sede. E perde produtividade. A produção do leite despencou, obrigando pecuaristas a se desfazer do gado. A luta é para manter o bicho vivo. Sem água, tem sido difícil.

A vaca caída, coberta de carrapato. Doente, sem forças, dali só aguenta mais dois dias, no máximo. A cena, num sítio do município de Cachoeirinha, é um golpe na esperança do criador de gado. Para fugir da fome e da sede, muitos produtores resolveram levar o rebanho para a Mata Sul de Pernambuco, onde a oferta de água é mais abundante. Era para ser solução. Virou armadilha. A diferença extrema de clima (seco no Agreste e úmido na Mata) deixou o gado exposto a doenças, como a verminose, e ao ataque de carrapatos. A saída foi trazer os bichos de volta. No retorno, a morte continuava à espreita.

Vaca caída no chão
A pior seca dos últimos 60 anos tem imposto ao rebanho pernambucano tantas provações que só ter fé não dá conta. “É uma danação. A gente tem passado por um aperreio tão grande que perde o prumo. Fica traumatizado. É só morte, morte. O cheiro de desgraça tá enganchado na gente”, desabafa o produtor José Amaro Braulindo, dono da vaca comida pelos carrapatos. Ele já perdeu três animais na volta do rebanho da Zona da Mata. O bicho fotografado pela reportagem era o quarto a cair, em duas semanas. “E tem mais dois no mesmo caminho”, diz, numa mistura de lamento e desesperança.

Como manter o gado de pé e produtivo sem água e insumos para alimentá-lo? A situação é dramática. Em cinco anos de seca consecutiva, a produtividade chegou a cair em torno de 45%. Em 2011, o rebanho do Estado produzia 2,5 milhões de litros de leite por dia. Hoje essa produção é de 1,4 milhão de litros de leite/dia. A perda está relacionada a dois fatores diretos. Primeiro, à redução do próprio rebanho. Depois, a dificuldade de alimentar o gado com uma ração de qualidade.

Como manter o gado de pé e produtivo sem água e insumos para alimentá-lo? A situação é dramática. Em cinco anos de seca consecutiva, a produtividade chegou a cair em torno de 45%. Em 2011, o rebanho do Estado produzia 2,5 milhões de litros de leite por dia. Hoje essa produção é de 1,4 milhão de litros de leite/dia.


carrapatos grudados no couro da vaca 
2012 foi um divisor de águas para a bacia leiteira do Estado. O mais grave dos anos de estiagem, levando em conta perdas, morte de animais e queda da produção. Em 2011, último ano sem seca em Pernambuco, o cenário era promissor. Tempos de fartura. O Estado vinha de oito invernos regulares, pasto cheio, verdão no horizonte. Não havia com o que se preocupar. Foi quando a história mudou e mudou radicalmente. O ano de 2012 chegou e trouxe com ele a estiagem. Fez pior. Trouxe a praga da cochonilha de carmim, importada do Sertão. Foi a morte. Da palma e do próprio gado, que, sem ter o que comer, sucumbiu.

carcaça de cavalo
“A quebra de paradigma nos assustou. Sempre enfrentamos secas, grandes secas, mas nunca estivemos tão despreparados. Havia um ambiente confortável, garantido pela regularidade das chuvas e não nos preparamos. Quando a cochonilha entrou no Agreste, pegou todos os criadores de gado de surpresa. Uma tragédia”, diz Erivânia Camelo, gerente-geral da Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária de Pernambuco (Adagro). O saldo foi devastador: o rebanho pernambucano perdeu, entre os anos de 2012 e 2013, 500 mil animais, considerando, mortes, abate e venda, principalmente para os Estados do Maranhão e do Pará.

“Nunca conseguimos recuperar esses bichos. É tecnologia que se perdeu e que não volta mais ao nosso Estado”, afirma Erivânia. O tamanho hoje do rebanho pernambucano, após cinco anos de estiagem, é de 1,9 milhão de cabeças de gado. Bem distante dos 2,5 milhões de animais que existiam em 2011. Recuperar esses números parece ser uma realidade ainda improvável. Com a permanência da estiagem, a perspectiva é de mais perdas.

“O nordestino é um guerreiro. Sair da situação de 2012 e chegar aonde estamos hoje... Somos todos heróis".







Romildo Albuquerque Bezerra, produtor de leite
HISTÓRIA DEIXADA PARA TRÁS

Plantação de palma
Sem ter como alimentar o gado, o jeito é deixar para trás a história de uma vida inteira e mudar de profissão. Esse tem sido o caminho de muitos produtores de leite, principalmente os menores, que não conseguem arcar com os custos para matar a sede dos bichos. Muito menos comprar insumos como milho e soja (ricos em proteína e energia), essenciais na alimentação do gado. Para se ter uma dimensão da alta que esses produtos atingiram no mercado, a saca de milho, que, em 2012, era comprada a R$ 18, hoje é vendida a R$ 62, quase quatro vezes mais cara. A soja segue o mesmo caminho. A saca do produto custa hoje o dobro (R$ 90) do que custava há quatro anos.

O avô, o pai, várias gerações da família de Denildo Souza dos Santos cresceram e se criaram cuidando de gado e produzindo leite, no município de São Bento do Una. Após acumular dívidas e ver a produtividade do rebanho cair, o produtor desistiu de continuar no ramo. Vendeu as vacas, bezerros e agora tenta a sorte transportando e vendendo água. “Não aguentei mais a seca. Melhor se desfazer do gado do que viver nessa luta sem fim. A ração cara, a água difícil de achar. Era isso ou ver os bichos morrendo na minha porta. Não suportei mais”, desabafa.

Em Venturosa, o produtor Romildo Albuquerque Bezerra, cuja família também tem larga tradição em leite e queijo, diz que a conta não fecha. A despesa com o gado é cada vez mais alta. Nos últimos oito meses, ele viu sua produção de queijo, que era de 14 toneladas por mês, cair para uma média de 9,5 toneladas mensais. “Tudo em função da seca, da falta de água e de alimento.” O produtor acredita que criar gado no Agreste seco tem sido um ato de bravura. “O nordestino é um guerreiro. Sair da situação que enfrentamos em 2012 e chegar aonde estamos hoje... Somos todos heróis. Agora é preocupante. Se não chover, acredito que o nosso rebanho não vai sobreviver”, afirma. O maior receio do produtor é de que 2017 seja mais um ano de estiagem severa. Será uma nova sentença de morte para o gado pernambucano. O rebanho que escapou da fome pode não escapar da sede.

A crise na bacia leiteira de Pernambuco



O primeiro ano de seca prolongada em Pernambuco foi um divisor de águas para a bacia leiteira do Estado. O mais grave em termos de perdas, morte de animais e queda da produção leiteira


A praga da Cochonilha de Carmim dizimou as plantações de palma da região

250
mil cabeças de gado morreram


Com a ausência da palma para alimentar o gado, os produtores experimentam, pela primeira vez, a cana-de-açúcar na ração. Foi o que salvou boa parte dos animais

500
mil animais foi o saldo da perda total, incluindo, além das mortes, o abate, e a venda, principalmente, para os Estados do Maranhão e do Pará

O mapa da bacia leiteira


Em 2011, era o maior produtor de leite de Pernambuco e o 13º do Brasil. Tinha um rebanho com 73 mil cabeças de gado. Hoje só restam 44 mil cabeças. Quase a metade se perdeu, com o gado morto, abatido ou vendido para outros Estados


A alta no preço dos insumos

Para produzir mais leite, o gado precisa de uma alimentação rica em proteína e energia. Dois produtos essenciais nesse cardápio estão com os preços nas alturas


Queda na produção de leite


Preço do quilo do queijo



Uma vaca que produz 20 litros de leite por dia precisa consumir diariamente de 80 a 100 litros de água

Receita estimada para 2016

R$ 1,5 bilhão é quanto o mercado da bacia leiteira deve movimentar este ano com a produção de leite, queijos e derivados, além do descarte de animais


CRISE HÍDRICA É RISCO DE DESEMPREGO PARA A AVICULTURA

A estiagem prolongada tem tirado, na mesma intensidade, o sono e o sossego de produtores de leite e avicultores do Agreste. A região responde por metade da produção de ovos e frangos para abate vendidos em Pernambuco. Divide o posto com a Mata Norte, responsável pelos outros 50% da produção estadual. Um mercado que foi duramente atingido nesses cinco anos consecutivos de seca. Em São Bento do Una, um dos principais municípios produtores de ovos e frangos, já há avicultores desistindo da atividade. É uma questão de sobrevivência. Sem água, eles não conseguem produzir. A Associação dos Avicultores de Pernambuco (Avipe) avalia que a crise hídrica é a mais grave da história do setor. E coloca em risco 50 mil empregos diretos na região.


Os produtores de São Bento do Una são obrigados a ir buscar água a quilômetros de distância, em cidades como Garanhuns e Quipapá. E estão encontrando resistência por parte da população para ter acesso aos reservatórios. Eles foram proibidos de tirar água com carro-pipa. Os moradores alegam que, com os mananciais cada vez mais secos, a prioridade tem que ser dada ao abastecimento humano. O impasse já virou caso de polícia.

E revoltou os avicultores da cidade. “Não estamos conseguindo pegar água. Entramos com um pedido na Apac, solicitando outorga para pegarmos água na barragem de Pau Ferro, em Garanhuns. Já aconteceu de irmos pegar, mesmo com o protocolo de autorização em mãos, e a população trazer a polícia para botar a gente para correr, como se nós fôssemos bandidos, marginais”, critica Fernando Vilela de Sobral, um dos avicultores de São Bento do Una.

Avicultor dá comida aos frangos
O produtor diz que a avicultura emprega cerca de duas mil pessoas, com carteira assinada, só no município. “Existe água suficiente para bichos e moradores. Se não conseguirmos abastecer os aviários, vamos fechar. A quebradeira vai atingir pequenos, médios e grandes avicultores. Será uma onda de desemprego na cidade”, alerta Sobral. O presidente da Avipe, Edival Veras, afirma que o setor é o que mais emprega no segmento agropecuário. E o que tem a maior eficiência no uso da água para a produção de proteína pelo animal. “Cada frango consome uma média de 20 litros por dia. É uma eficiência muito maior do que no gado ou na piscicultura. Mas, mesmo com esses percentuais, pelo volume do negócio, precisamos de muita água para garantir a produção”, explica. Para se ter uma ideia, o setor de avicultura do Agreste exige um consumo de cerca de 700 carros-pipas, por dia.

A participação da avicultura na economia de Pernambuco justifica a preocupação do representante da categoria. O Estado é o maior produtor de ovos e frango para abate no Nordeste. No ranking nacional, responde pela sexta posição na produção de ovos e está em oitavo lugar entre os maiores produtores de frango do País. Traduzindo em números: são 13 milhões de frangos para abate, por mês, e uma produção de sete milhões de ovos por dia. Considerando que metade dessa produção é feita no Agreste, o fechamento dos aviários por falta d’água seria um baque econômico de difícil recuperação para o Estado. É só fazer as contas.








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